O coração dela não tem rugas
- Luana Farias
- 3 de jul. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de jul. de 2019

Ivanilza Ferreira de Farias tem 68 anos. A dona de casa mora com seu marido, Antônio Feliciano, e é mãe de sete filhos, todos com as iniciais J – José, Josinete, Josivan, Joelia, Josinaldo, Josineide e João. Ela tem essa mania de letras iguais para os filhos e faz questão de contar a história do nome Joelia:
''Era pra ser Joelma, mas meu marido errou na hora de registrar e ficou Joelia mesmo''.
Ela recebe aposentadoria do filho especial e do marido, que se aposentou por tempo de trabalho, e ainda cuida da roça. Cana, alface, couve, mandioca e milho, tudo plantado por ela e pelo senhor Antônio. “Eu gosto muito, Tota gosta mais, passaria o dia todo ali”, diz ela, sobre o marido. Tota é o nome carinhoso com que ela o chama. “Ela é minha flor do dia”, diz ele.
As rugas de Ivanilza contam mais histórias do que alguém possa imaginar. É dona de um olhar azul como o mar e de uma força que não tem como segurar. Quem olha logo quer dar lugar, mas ela surpreende ao se levantar, ela sempre se levanta. Na verdade, ela não para, só se for para dormir e assistir à sua novela das 21h. É apenas no fim do dia que ela repousa, e ainda assim, se tivesse alguma coisa para fazer, ela faria. Nas horas vagas ela é a supergirl, salva o mundo, mas não voando, é benzendo mesmo.
Adora receber a família. Os domingos sozinhos são os mais tristes, ela vai para a frente de casa e fica contando os minutos para os netos chegarem, os filhos ou uma visita sequer, ô mulher conversadeira. Mima os netos e só aceita que eles saiam da casa dela com a barriga estufada de comida. “Fiz um bolinho de laranja”, diz oferecendo-o para mim. Gosta de contar histórias, afinal, já viveu muitas delas, todas as noites assiste à sua novela na cadeira de balanço, mexendo nos fios de seu cabelo branco. Já dormiu mais cedo, mas agora perde noites de sono pensando em seu filho, João, que por força maior precisou ser internado. “Eu sou forte, mas ele é mais”, lamenta ela, por não ter condição de cuidar do filho.
Todas as manhãs, ela acorda cedo e vai cuidar de suas plantinhas. O almoço, que seria às 12h, está pronto às 10h, ela é sempre ágil no que faz. Não gosta de corpo mole, faz as compras e ela mesma carrega, é de surpreender a força que aquela senhora tem, e a sola também. Ela não usa chinelo, ama andar descalça, e embora tenha lindos pares de sapatos, são usados apenas em ocasiões especiais. Ivanilza se arruma toda para formatura dos netos, casamentos, coloca até brinco.
Ela cuidou de um filho de 30 anos, o João, que tem déficit cognitivo e retardo mental, doença que não tem cura. “É como ser mãe de uma criança de 5 anos”, diz. “É, minha filha, não é fácil, mas Deus não dá o fardo maior do que podemos aguentar.”
Ela conta que descobriu que ele tinha tal problema logo na infância: “Não sei se foi uma queda, mas ele sempre foi mais agitado que os outros”. Desde então, ele toma remédios fortíssimos. As rugas não são só histórias, são marcas de uma mãe preocupada.
Ela é alagoana, sua mãe é viva e tem 99 anos, é de família ser forte. Viveu a infância toda em Girau do Ponciano, veio para São Paulo na altura de seus 45 anos, comprou seu terreno em Francisco Morato e ali fez morada, a maior parte da vizinhança é família dela. Ela diz que na capital as oportunidades são melhores:
“No meu tempo não tinha nada do que vocês têm, mas se tivesse, eu escolheria ser médica, é meu sonho”.
Termina a frase com um sorriso acanhado no rosto. Naquela época, o ensino era mais fraco: “Eu aprendi a escrever meu nome com uma professora, mas só, das outras eu levava reguada na mão”, completa com sua gargalhada. Aliás, ela tem várias risadas diferentes, e se você disser isso a ela, ela inventa outra na hora mesmo.
Começou a trabalhar cedo, era uma criança ainda, tinha lá seus 5 anos de idade e já estava trabalhando na roça com seu pai, Manoel. Era depois do trabalho que estudava e na pausa para o lanche, ela comia seu feijão. “Eu levava feijão amassado com farinha, dentro de uma sacolinha.” Ela se juntava com os demais e comia debaixo do pé de tamarindo, chegava sempre no final da tarde em casa.
As rugas dessa senhora são apenas em sua pele envelhecida e cheia de histórias, o coração apenas guarda lembranças memoráveis que ela não cansa de contar.
“Na época que eu namorava, eu colocava flores no caminho para ele passar, coisa de jovem, né?”.
Mas deu certo, são 50 anos de casamento, e hoje ele é o Tota dela, e ela a Flor do dia dele.
Ivanilza tem 68 anos de muitas histórias, umas lá em Alagoas outras aqui em São Paulo, as outras estão espalhadas nos corações de quem ouve.
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